Muita gente acredita que traduzir textos jurídicos é apenas trocar palavras de um idioma para outro. Afinal, “lei é lei”, certo? Mas a realidade é bem diferente. A tradução jurídica envolve algo que vai além da técnica: a subjetividade.
Por que subjetividade importa
Cada sistema jurídico tem sua lógica própria, tradições e formas de construir sentido. Isso significa que conceitos legais de um país podem não ter equivalente direto em outro.
Para exemplificar, temos o termo consideration (direito inglês), que é a contraprestação necessária para um contrato ser válido. No Brasil, não existe termo exato; o tradutor precisa interpretar e adaptar. Um outro exemplo seria at-will employment (EUA), representando o contrato que permite demissão a qualquer momento. Inviável no Brasil, onde leis trabalhistas protegem o empregado de rescisões arbitrárias.
Nesses casos, o tradutor faz escolhas conscientes para que o texto cumpra a mesma função jurídica, sem perder a fidelidade ao original.
O papel da domesticação
A domesticação é o processo de adaptar um texto traduzido para que ele soe natural e funcional no contexto do país de destino. No caso da tradução jurídica, isso significa ajustar termos, estruturas e referências legais para que o documento seja compreensível, preciso e aplicável localmente.
Não se trata de “trair” o texto original, mas de garantir equivalência funcional: o contrato, lei ou regulamento traduzido precisa ter o mesmo efeito e cumprir a mesma função que teria no idioma de origem.
Por exemplo, ao traduzir um contrato americano com cláusulas de demissão at-will para o português brasileiro, não basta traduzir literalmente. É preciso adaptar o conceito às regras da legislação trabalhista brasileira, de modo que a cláusula faça sentido e seja válida juridicamente.
A domesticação, portanto, é o que permite que uma tradução jurídica seja clara, segura e confiável, equilibrando fidelidade ao original com compreensão e aplicabilidade no contexto local.
Por que isso importa no mundo globalizado
Negligenciar a subjetividade pode gerar ambiguidades, insegurança jurídica e prejuízos. Uma tradução cuidadosa tem o poder de:
Evitar mal-entendidos e litígios;
Garantir clareza e confiança;
Conectar sistemas legais distintos de forma eficaz.
Traduzir textos jurídicos não é apenas reproduzir um texto, literalmente, em outra língua. É mediar culturas jurídicas, interpretar intenções e adaptar soluções. Quando feita com atenção à subjetividade e à domesticação, a tradução jurídica se torna uma ponte entre sistemas legais, mostrando que até mesmo o Direito, tão rígido em suas regras, precisa de sensibilidade e diálogo.
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